Tiramos fotos uma da outra. Ela me enviou as minhas e eu chorumelei com horror a visão dos meus 397186 dentões e o perfil egipcio proporcionado pelo meu narigão. Enviei as fotos que tinha tirado dela, comentando minhas angústias e elogiando a fotogenia dela. Ela respondeu que não era nada disso, que eu era linda de todos os ângulos, mas com certeza ela precisava perder dez quilos e também gostaria de não ter aquelas bochechonas e o cabelo tão eriçado. Eu nem respondi, só pensei que life is a bitch e ninguém realmente está contente com o que tem ou com o que é.
U—você conhece o Lenny Kravitz?
F—sim, conheço.
U—ele é famoso?
F—é. por quê? ele morreu?
U—muito famoso?
F—acho que sim. ele morreu?
U—não, ele está cantando no super bowl.
F—super bowl?
U—american woman...
F—super bowl??
U—o canadian super bowl.
F—CANADIAN SUPER BOWL???
U—é!
F—suspiro...
Será que é síndrome de final do ano esse cansaço descomunal que eu ando sentindo de tudo? E os ímpetos de mudar, apagar, transformar, dar uma volta e seguir em direção contrária?
Num dia de vento, como hoje, as pessoas tendem a sentirem-se confusas. Eu não escapo. Ficamos eu e ela ziguezagueando. Estou um caos, descabelada, com a acharpe desarranjada. As pedaladas estão sendo difíceis. Vou de casacão, mesmo vendo algumas pessoas que ainda insistem na camiseta e no chinelo de dedo.
O que mais eu ouço os estudantes falarem nos celulares é como eles se deram mal na prova, como eles estão ferrados pois nem começaram a escrever o trabalho com data de entrega pra depois de amanhã.
Estou tentando ir devagar, desacelerando, pra poder pegar o pique do feriado. Eu gosto muito desse feriado que está chegando, que eh o dia de Thanksgiving.
Fui até a biblioteca pegar os volumes de 1971 e 72 da revista Gourmet. É sempre meia hora pra ir, subir até o terceiro andar, procurar rapidamente e ansiosamente por algo legal, pegar, descer, checar, voltar. Mas nesses dias pré middle term exams e pré feriado de thanksgiving a biblioteca fica mais cheia que um shopping center nas tardes de sábado. Estudantes se aglomeram por todos os cantos, em grupos ou solitários, dormindo, estudando, ouvindo música, com laptops abertos, cadernos espalhados, escrevendo frenéticamente, todos com aquelas caras de quem não dormiu, de quem tá ferrado, de quem está lascado, desesperado, à beira de um colapso. Eu sempre suspiro aliviada—como é bom não ser mais estudante!
A inquilina da minha guest house veio pagar o aluguel, trouxe um cartão de thank you. Ela sempre me pergunta como vai o blog. Ela acha que eu sou uma mulher de sucesso. Eu digo—é muito trabalho, aliás, agora eu tenho dois empregos e um deles não me paga nenhum salario, embora me traga muita satisfação pessoal. A inquilina tem apenas vinte e um anos, muito chão pra percorrer, muito feijão pra comer.
Tenho que pensar e fazer tanta coisa—coisas pro sábado, coisas pro domingo, coisas pra quinta-feira. Horas, me façam o favor de voar?
Acontece, as pessoas perdem o encanto, viram sapo. Sem falar nas panelinhas, que são um porre. Depois de meses atolada, estou me sentindo um pouco mais folgada. Mas o sensato é tentar não se espalhar muito. Bebi tantas xícaras de chá, que quase me espatifei como um balão de água. Pra baixo todo santo ajuda. Estou prevendo na minha bola metereológica de cristal que o inverno que vem vindo será menos rigoroso. O que realmente não faz diferença, pois o frio interior é sempre o mesmo.
Como é bom ficar em casa numa segundona, fazendo todas as coisas que normalmente eu teria que fazer no sábado e domingo. Preciso de muitos finais de semana prolongados, s'il vous plaît.
Não sou fã da calça jeans, apesar de achar que ela fica bem em absolutamente qualquer pessoa, inclusive eu. Mas tenho esse problema de não conseguir ficar confinada em nada. Calça jeans—que incoerentemente eu possuo uns vinte e cinco pares, é coisa pra dias muito frios, quando estar quente e protegida é mais importante que estar livre e solta. Mas hoje fiz a besteira de vestir uma pra vir trabalhar. Justo hoje que não vou almoçar em casa, portanto não vou ter a chance de trocar por uma calça-saco-de-batatas. Estou prevendo um dias daqueles ....
Estou vestida como uma fazendeira—camisa xadrez vermelho, branco e cinza com botões de madreperola, macacão de corduroy levemente pula-brejo e botas. Fui ao banheiro no outro prédio e voltei como sempre volto, caminhando brejeiramente pelo campus. Percebi um pouco tarde que tinha esquecido de abotoar todo o lado direito do macacão, afinal qualquer coisa é muita coisa para uma pessoa como eu fazer pela manhã.
Davis é conhecida como the bicycle capital of the U.S. Eu posso comprovar que é mesmo, pois a cidade é muito bem estruturada para os cicilistas e há muitas, muitas bicicletas, principalmente no campus da Universidade da Califórnia, por onde eu também pedalo a minha magrela todo santo dia. Por causa disso a cidade deve também ser a capital norte-americana dos malabaristas sobre duas rodas. Diáriamente eu vejo as coisas mais esdrúxulas e bizarras. Os bicicletistas que pedalam enquanto falam ao celular são os mais comuns. Tenho muito medo desses e eles abundam. Tem também os que pedalam enquanto bebem um copão de café quente, outros enquanto comem um prato de comida com o garfo, outros carregam amigos pendurados no guidão ou puxam amigos no skate. Tem até alguns que pedalam enquanto fazem a barba com um aparelhinho elétrico. Nem me espanto mais, me resignei e apenas pedalo defensivamente. É o que posso fazer.