Mas o quê qui é isso? O Natal não foi logo ontem?
Que negócio é esse de que já é Carnaval?
Eu não reclamo do frio, de jeito nenhum, pois não tenho nada contra as temperaturas baixas, ou mesmo as negativas. Já vivi num freezer, mas é importante frisar que aquele freezer era ensolarado. Essa chuva que não pára de cair é o que pega, o que dá nos nervos e cansa. Ela deixa os dias nublados, molhados, mofados, eslameados e tristes.
Você se acha uma sedentária, mas esqueceu o significado das suas pedalações diárias, contra o vento, na chuva e frio e com os pneus da bike um pouquinho murchos? Se isso não é fazer exercício, então...
Um vento polar está fazendo a cidade rodopiar desde ontem. Dias de vento causam perturbação e desordem. No caso da minha natural confusionice, o vento é desnecessário, pois dou conta de tudo sozinha. Mas se ele sopra vindo do Ártico, tudo piora. Até os meus pensamentos estão descabelados, quem dirá então a verdadeira cabeleira que está com um efeito eletrificado. Os dedos tremem. Os olhos choram. E o barulhinho não é tão bom.
Os estudantes voltaram, as aulas recomeçaram, o campus pulsa, multidões de gente, eu fico tensa na bicicleta, sempre a mesma velha história. Nosso servidor caiu, não sei o que acontece. Ainda há casas sem eletricidade, muita sujeira feita pelo temporal expostas pela ruas. Comi três fatias [pequenas] de pizza, por isso fico letárgica na parte da tarde. Um gato me persegue, como se eu tivesse um imã, o outro nem abre o olho, me ignora porque é hora da longa soneca. O papo pela manhã concentrou-se nas experiências individuais e de ouvir dizer que todos tiveram durante o turbulento final de semana. Não havia papel higiênico no supermercado e eu não sei exatamente o que isso significa. Adorei o filme do Dylan. Não cozinhei. Tudo parado, como se fosse obrigatório preservar qualquer energia. Mudei os móveis da sala de lugar, depois recoloquei tudo como estava. A incompatibilidade do espaço que não permite modificações. O telefone novo fala robóticamente denunciando quem está ligando. Daqui a pouco não precisaremos fazer nada—ler, pensar, escrever, falar. Psicotelepatia.
Saí de casa para ir ao supermercado e então pude ver o estrago que a tempestade fez na cidade. Pedaços de árvores amontoados por todo canto. A limpeza já foi feita, imaginei como deveria estar ontem! Nunca vi o supermercado tão cheio. Muita gente comprando pacotões de gelo. No primeiro minuto não saquei—gelo? É que muitas áreas ainda estão sem eletricidade, os moradores no escuro, os sobras do peru estragando na geladeira. Me senti sortuda, pois aqui a eletricidade caiu duas vezes, mas voltou rapidamente. Talvez seja porque estou ao lado do campus da universidade. Ou talvez tenha sido sorte mesmo. Sem eletricidade, com essa chuvarada, esse frio, e esses dias escuros, não é nada divertido. Fui comprar pão e não tinha mais quase nenhum. Acho que pão deve ser comfort food pra muita gente. Fui ao outro supermercado, onde compro outras coisas, e o lugar estava fechado. Nunca vi o Co-op fechado. Deve estar sem eletricidade também. O único efeito que senti foi ter ficado sem conexão de internet. Concluí dessa história toda que estamos completamente despreparados para qualquer situação de emergência.
Está chovendo e ventando de uma forma absurda aqui. Tentei sair de casa para ir trabalhar, mas depois de dar alguns passos na rua o guarda-chuva empinou e me molhei toda. Voltei correndo pra casa e liguei pro meu trabalho avisando. Não tem condições de enfrentar ventos de quase cem quilômetros por hora.
O Roux estava todo excitado, miando e dando patadas na porta de vidro que dá para o quintal. Fui ver o que estava pegando e meu coração se partiu ao meio quando vi um pequeno passarinho, todo enrolado como se fosse uma bolinha, tentando se proteger do aguaceiro no cantinho do batente.
Nesse tempo inclemente, ele está voando para Los Angeles e depois dirigindo para Santa Barbara. Eu nem sei o que dizer. Lord have mercy....